Podemos supor que, do mesmo modo que o inconsciente nos afeta, um acréscimo no consciente afeta o nosso inconsciente.
Carl Jung em Memories, Dreams, Reflections
A chuva era universal, ocupando o espaço da cidade sem pausa e sem trégua havia dois ou três dias, como se o dilúvio fosse o estado natural das coisas.
O livro que ele pousou em cima da mesa, entre o cinzeiro e a garrafa de Chianti, eu já conhecia, o último dele, publicado quatro anos antes. O desenho da capa mostrava uma cena clássica de abdução: um homem num descampado surpreendido pelo círculo de um facho de luz que descia de um disco voador vários metros acima dele.
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As coisas simples são sempre as mais difíceis.
A arte de ser simples é a mais elevada, e do mesmo modo aceitar-se a si mesmo é a essência do problema moral e o cerne de toda uma visão de mundo. Que eu alimente um mendigo, que perdoe uma ofensa, que ame um inimigo em nome de Cristo, são todas sem dúvida grandes virtudes. Aquilo que faço ao menor de meus irmãos estou fazendo a Cristo.
Mas e se eu acabar descobrindo que o menor de todos, o mais pobre dos mendigos, o mais acusado de todos os ofensores e o próprio grande adversário residem dentro de mim, e que eu mesmo careço de minha própria bondade? Que sou eu mesmo o inimigo que
Um homem inconsciente de si mesmo age de modo cego e instintivo; ele é além disso enganado por todas as ilusões que se levantam quando vê tudo aquilo de que não tem consciência em si mesmo vindo de encontro a ele de fora, na forma de projeções sobre o seu próximo.
As projeções transformam o mundo na réplica da face desconhecida de cada um.
A regra psicológica afirma que quando uma situação interior não é tornada consciente ela acontece na realidade exterior na forma de destino. Quer dizer, quando o indivíduo permanece indiviso e não toma consciência de seu oposto interior, o mundo é forçado a exprimir o conflito, sendo fendido
Para Freud estamos, perpetuamente, conspirando secretamente contra nós mesmos. Para Jung o universo está, perpetuamente, conspirando secretamente em nosso favor.
Vejo irresistível evidência de que os dois estejam certos.
Minha vida é a história do auto-descobrimento do inconsciente. Tudo no inconsciente busca manifestação exterior, e a personalidade deseja também evoluir do seu estado inconsciente e experimentar a si mesma de forma integral. Não tenho como empregar a linguagem científica para traçar esse processo de crescimento interior, pois não tenho como experimentar a mim mesmo como um problema científico.
O mito expressa a vida de forma mais precisa do que a ciência.
O que somos na nossa visão interior, e aquilo que o homem é sub specie aeternitatis, só pode ser expresso através do mito. O mito é mais individual e expressa
Em algum momento do século XX o mundo converteu-se, talvez irreversivelmente, ao materialismo. Em algum momento, de forma individual e coletiva, dissemos adeus ao espírito, engolimos fundo e forçamos sobre nós mesmos a maturidade de reconhecer que tudo que existe é a matéria, a realidade física e palpável, o pão-pão, terra-terra. Tudo que foi escrito e pensado sobre o invisível, o imaterial e o espiritual merece aparentemente apenas uma gigantesca errata no registro do pensamento humano: ERRÁMOS QUANDO DISSÉMOS QUE EXISTE UMA REALIDADE ALÉM DO MUNDO FÍSICO.
Desculpem a nossa falha e os problemas que ela pode ter causado. Hoje
Nós, protestantes, teremos mais cedo ou mais tarde de enfrentar a seguinte questão: devemos entender a imitação de Cristo no sentido de que devemos copiar sua vida e, se é que posso usar essa expressão, simular seus estigmas; ou no sentido mais profundo de que devemos viver nossas próprias vidas de forma tão verdadeira quanto ele viveu a sua em todas as suas implicações? Não é coisa fácil viver uma vida modelada na de Cristo, mas é indizivelmente mais difícil viver nossa própria vida de forma tão verdadeira quanto Cristo viveu a dele.
Carl Jung, em Os psicoterapeutas e o clero