Fui a Jaraguá do Sul visitar um cliente, coisa que raramente faço, e fui de terno e gravata, coisa que jamais voltarei a fazer. Quando sai da fábrica era o meio da tarde e pensei em dormir numa pousada em Pomerode, depois de encher a carne na Torten Paradis e beber uma imaculada série de Weiss no deque da cervejaria Schornstein.
O impeachment nem foi ainda sancionado e já é um anticlímax. Na tempestade perfeita das exaltações políticas do Brasil, não há quem não se sinta perplexo, não há quem não se sinta refém. Dentre as coisas que eu tinha esquecido está que numa crise a moeda mais cara é a da alocação da culpa. Se é fácil olhar o cenário e encontrar alguma falta, mais difícil é encontrar paz na atribuição retroativa de responsabilidades.
Digamos que o governo interino seja um desastre: a culpa pelo desastre é dos que promoveram o impeachment ou dos que colocaram Dilma (e o seu vice) no poder? Digamos que o governo interino seja a melhor
O governo que não deve ser nomeado deflagrou uma semana de rigoroso Choque e pavor – a tática militar de ocupar dando demonstrações múltiplas e espetaculares de força, de modo a desestimular qualquer resistência.
Numa semana, o governo que até segunda ordem é interino divulgou estar pronto para:
Isso só para citar as medidas mais desconcertantes, e sem pausar para examinar a ficha de antecedentes dos ministros apontados, do novo líder do governo e do próprio presidente em exorcismo.
Embora espero que seja poupado desse constrangimento, você vai encontrar brasileiros satisfeitos com esse pacote de propostas. O motivo da satisfação?
Isso porque para entender a relação do Brasil e dos brasileiros com a justiça é conveniente começar deste ponto: não somos norte-americanos.
Para o juiz Sérgio Moro, se for para comparar o Brasil com alguém, que seja com a Itália.
A partir da semelhança de temperamento institucional e de uma compartilhada tolerância para com a corrupção, Moro está convicto de que o sucesso da operação Mani Pulite/Mãos Limpas, que varreu camadas ancestrais de corrupção na Itália, pode ser replicado no Brasil na operação Lava Jato.
E como discordar da lógica dele? Quando descreve o que acredita serem as causas estruturais da corrupção na
– Em pé no alto da construção, Miro Valhacouto perscruta a paisagem, erguendo o olhar da esplanada estéril até a selva circundante. Valhacouto pode ser o mais prestigiado especialista em desarmamento de hidrelétricas da União, mas está sempre pronto para recordar as suas origens.
– Toma – disse Genésio Casabranca, empurrando a caixa de metal pelo concreto até tocar a perna do outro.
– Nascido num quilombo do Catupiry, filho de um índio gaúcho com uma fazendeira do Xingu, Miro começa de baixo, desarmando mata-burros na fazenda do doutor Clory. Nos anos 90 ganha prestígio no Serestão desarmando argumentos de candidatos
É um episódio de Game of Thrones: ao norte está a Germania, o reino dos guerreiros loiros e ricos que não quer perdoar a dívida de Atenas, o reino pequeno e indisciplinado da fronteira sudeste – entre outras coisas porque não quer criar precedentes de tolerância para os outros países pequenos e endividados de Westeros que quer continuar a controlar. Mas do outro lado do Oceano o conspiratório Império Americano manda pombos-correio para que a Germania considere perdoar Atenas, porque afinal de contas a casa Merkel
David R. Henson
Porque o Pentecostes, em seu coração ardente, não fala só sobre linguagem, mas é também um ato de rebelião divina através da linguagem. É o protesto exposto ao vento de um Deus sem fronteiras que se posiciona contra a equivocada preferência humana pela linguagem vazia dos poderosos. No Pentecostes, Deus fala contra a tendência humana de forçar a unidade através da uniformidade e da exclusividade, exigindo que as pessoas se conformem a padrões arbitrários de respeitabilidade e fazendo tudo isso em nome de Deus.
No dia de Pentecostes Deus fala do lado de fora das muralhas de religiosidade do templo, do lado de fora
Charles Stross
[1] Estamos vivendo uma era de automação crescente, e está muito claro que a adoção da automação privilegia o capital em detrimento da força de trabalho.
[2] Um efeito colateral da ascensão do capital é a financeirização de todas as coisas (tudo, até a força de trabalho, é reduzida a instrumento financeiro).
Somos todos culpados de tudo.
Dimitri Karamazov, em Os irmãos Karamazov de Dostoiévski
A diferença entre esquerda e direita, obviamente, é que os partidários da esquerda podem dizer todo ser humano me representa e insistem em fazê-lo.
Stefan Zweig
De fato, nada deixa mais claro o imenso retrocesso que recaiu sobre o mundo depois da Primeira Guerra Mundial do que as restrições sobre a liberdade de deslocamento do homem e a diminuição dos seus direitos civis. Antes de 1914 a Terra pertencia a todos. As pessoas iam para onde desejassem e ficavam o quanto quisessem.
Não havia vistos nem autorizações de permanência, e sempre me dá prazer deslumbrar os mais jovens contando que antes de 1914 viajei da Europa para a Índia e para a América sem ter um passaporte e sem ter em qualquer momento visto um. Embarcava-se e desembarcava-se sem questionar e sem ser questionado:
Creio que eu e Julio Cortázar professamos visões políticas muito diferentes. Mas também creio que, no fim das contas, opiniões são a coisa mais superficial a respeito de qualquer pessoa.
Jorge Luis Borges
Ah, meu caro Borges! O que seria do mundo se adotássemos a sua lucidez? Citado em Seven Conversations with Jorge Luis Borges, de Fernando Sorrentino.